Não dá para fazer um resumo do quinto dia da 47ª edição do São Paulo Fashion Week sem falar do desfile de Ronaldo Fraga. O mineiro retratou na passarela, de forma rude, mas poética, o momento complicado pelo qual passam gays, negros, mulheres e, digamos, todas as instituições que desagradem os dirigentes atuais do país. Fez de seu desfile mais um manifesto político, trazendo para os dias de hoje os murais “Guerra” e “Paz”, de Portinari, morto em 1962.
Entre roupas com estampas da obra, adaptadas por Fraga, com bordados e brilhos, Marielle Franco, índios crucificados e uma série de capacetes militares com alegorias ensanguentadas (bonecas representando crianças, animais mortos, armas atirando flores, bandeira gays sangrando), mais uma vez o estilista nos mostrou que moda é resistência sim. E no dia em que se repercute a fala do presidente Jair Bolsonaro da intenção de extinguir os cursos de Filosofia e Sociologia, um dos capacetes trazia a alegoria dos livros. Ou seja, se algo tem de ser feito, Ronaldo sempre faz. Não, moda não é fútil.
Aliás, preocupações mundiais, como a poluição dos mares, a reciclagem de materiais, entre outras, também têm sido refletidas em várias grifes. Já entre as tendências do dia, apontamos o plástico como matéria-prima para acessórios e roupas; branco e vermelho se impondo como cores fortes para as próximas estações. As mangas são bufantes, ênfase nos ombros. E conforto pedindo passagem em praticamente todas as apresentações. Confira:
Água e Música
Com desfile inspirado em Coriolis, criatura das águas, a Mipinta, do Projeto Estufa, que tem como objetivo divulgar novos talentos, mostrou performance com modelos estilo Aquamen, com direito aos corpos todos cobertos e óculos de mergulhadores, tudo muito colorido. Nada, porém, tirou a atenção das roupas, esportivas. Algumas de plástico (material bastante visto nos desfiles), com referência ao oceano, mas tudo muito bem feito, com doudounes (casacos acolchoados), bermudas, calças, jaquetas coloridas, prontinhas para serem usadas agora e sempre. É moda masculina, mas a gente também quer!!!
A marca Ão levou para a passarela uma série de roupas franzidas e volumosas, algumas presas com lástex, outras com mangas enormes. Os modelos entravam com um sorriso congelado no rosto. A coleção foi pensada a partir da música, notas sobrepostas, assim a trilha sonora vinha com uma mistura de acordes de cravos medievais com músicas eletrônicas. Sobreposições também nas peças, usadas por algumas modelos fora do padrão.
Religião
A religião tem inspirado algumas grifes. A Handred se inspirou nos Orixás e teve Lulu Santos na plateia, na quinta-feira (25). Neste quinto dia, a Ratier também levou a religião à passarela, colocando lenços amarrados como burca com macacão, freira de calça comprida com abertura lateral, quipá e chapéus de judeus. A grife, que tem no preto sua cor principal, trouxe roxos, amarelo, marrons e xadrezes, em meio a essa miscigenação religiosa. A modelagem oversized contempla as vestes dessa coleção que tem um pé no profano.
Plástico
O estilista Luiz Claudio, da Apartamento 03 confrontou duas matérias-primas antagônicas em sua coleção: o linho e o plástico (olha o material aí de novo). O primeiro, que amassa e enruga, como nosso próprio corpo com o passar dos anos. o outro que nunca precisa de retoque. Uma sutil referência à necessidade frenética das pessoas quererem a juventude eterna. Na passarela, o resultado é irretocável como sempre. A primeira parte do desfile, com modelos negras usando roupas brancas, rendadas ou não, foi perfeita. Depois, seus bordados, redes e aplicações, com a precisão de sempre. E, mais uma vez, o estilista, que já foi avesso a cores, colocou tons fortes, do rosa, passando pelo amarelo-lima, verde e vermelhos, com brilhos. Pastilhas translúcidas, sobre base também translúcida, davam esse efeito plastificado, levemente transparente, tão em alta agora.
Montanha
A roupa de atitude cool e confortável da Cotton Project foi mostrada em uma performance, com a plateia toda em pé, ao lado de um círculo de pedras, onde os modelos ficavam parados em volta. Xadrezes, casacos mais pesados, veludos em paletós deram as caras. Um tanto desconfortável para quem ficou em pé, atrás de quem já tinha se posicionado na frente. E, pena que por um problema de (falta de) organização, alguns fotógrafos foram foram impedidos de entrar no pit (onde se posicionam para trabalhar), como o da AgNews, que fornece material para o site.
Bufantes
A grife Haight estreou no SPFW entregando de bandeja o que suas clientes querem vestir. Desde o primeiro look, um body vermelho, com mangas bufantes, usado por Amira, a recordista de desfiles desta edição, dava para ver a reação das convidadas presentes: “lindo, maravilhoso”. Na sequência, uma série de biquínis, mais bodies, blusas, vestidos, túnicas, com boa modelagem, larguinhas, fluidas, para oferecer conforto e elegância a quem usa. Dentro das tendências, as mangas bufantes ganham voz, seja dos dois lados ou de um só. E nas cores, o vermelho, recorrente em várias grifes, era seguido por beges em tons diversos e brancos.