A escritora, publicitária, mãe, palestrante, influenciadora digital, tatuada Cris Guerra é múltipla, como ela mesma se define. Autora do livro “Moda Intuitiva”, entre outros, e criadora do primeiro blog de look do dia do Brasil, nos primórdios das redes sociais, participou de live no perfil do “Elas no Tapete Vermelho”, nas vésperas de completar 50 anos (comemorados dia 15 de agosto).
Na conversa, falou sobre como o nascimento de seu filho Francisco, logo depois de ter ficado viúva, há 13 anos, foi o ponto de virada de sua vida. Disse também sobre como pensa ser o caminho moda no pós-pandemia (“vamos dar um passo atrás”) e sobre a verdade oculta das redes sociais. “Temos de descascar o Instagram todos os dias, criar um filtro. Afinal, pela manhã, tem gente que já fez todas as posições de ioga, já fez argila com seus filhos no quintal. A vida da gente não é tão perfeita assim.”
Falou que envelhecer é deixar os pensamentos rígidos da juventude para traz, mas trazer junto os ensinamentos de todas as idades. Contou sobre seu novo projeto, o podcast “50 Crises”, em que pretende mostrar todas as mulheres que estão dentro dela.
E, claro, contou como foi a decisão de deixar os cabelos grisalhos. “Nunca achei que eu ia fazer isso na minha vida”, revelou. Isso não significa necessariamente que vai deixar os fios assim para sempre. “Um dia, posso voltar a tingir”, afirmou, lembrando que a gente tem que gostar do que se vê no espelho. “A opinião dos outros é importante, mas a nossa é mais”.
Confira abaixo trechos da live e no final da matéria, tem o link para assistir a live completa.
Mãe
“O meu filho Francisco é o ponto de partida na virada da minha vida. Quando eu falo que ser mãe é um esporte radical, é porque quando a gente é mãe, multiplicamos nossas vulnerabilidades. Tem uma outra pessoa que amamos loucamente, e brigamos também. Mas temos um amor tão grande, uma relação tão louca, tão visceral, que a é mais um motivo para ter medo. É um coração batendo fora do corpo. É um esporte radical de maior durabilidade, porque dura a vida inteira.”
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Moda x pandemia
“Tenho pensado muito nisso. A quantidade de roupa que eu tenho para esse momento é absolutamente tranquilo. Não preciso de mais. Está sendo um grande aprendizado rever nossas necessidades. Será que faz sentido tudo isso?. A moda vai ter que se reinventar e se conectar com um propósito. Não dá para ficar lançando só porque é novidade. Será que a gente precisa tanto de novidade? Umas das coisas que aconteceram nesse período é que percebemos que o nosso passo, depois desse novo normal, não deve ser para a frente, mas para trás. Essa pandemia veio com um recado muito claro: ‘parem, deem um passo atrás’. Acho que a moda vai se conectar com mais sentido e menos quantidade.”
Essência
“A palavra essência está permeando nossa vida como um todo. Não dá mais querer alguma coisa só porque tem uma nova coleção, porque tem dinheiro. Ficou sem sentido isso. Não sei como a conta vai fechar. Como uma loja vai sobreviver, como vai manter os funcionários. Me dá um pouco de angústia isso, mas é preciso haver uma redução, um reestudo, uma revisão. As pessoas olharem e perguntarem: faz sentido continuar produzindo uma coleção tão grande, trocando de coleção com tanta frequência? Faz sentido continuar produzindo com tanta frequência? A gente sabe que a pandemia foi causada por um desequilíbrio ecológico. Temos responsabilidade com o material que a gente coloca no mundo, com o que a gente consome.”
Cabelos brancos
“Nunca achei que eu ia fazer isso na minha vida. Mas aí comecei a falar sobre essa questão do envelhecimento. E meu namorado, o Ale (Alexandre Braga), começou a reparar nas mulheres, comentava sobre os cabelos grisalhos delas. Achei muito legal. A minha cabeleireira também começou a me incentivar. Quando eu levei a ideia para ela, disse que ia ficar lindo. Isso foi em agosto do ano passado, achei que ia ficar tipo gambá, branco no meio e preto no resto. Na verdade, sempre que começava a crescer sem tingir, olhava a cor e achava que estava tão bonito o prateado. Fiquei igual adolescente, juro, esperando o cabelo branco vir. Não deu dois meses, cheguel lá na cabeleireira e já tinha uns 2 cm de branco. Ela sugeriu raspar deixando os branco no comprimento que estava. Perguntou se eu tinha coragem. Cortou então bem curtinho, sem máquina, com a tesoura. Foi muito interessante. Primeiro, a experiência de ficar careca foi muito legal. Nunca tinha tido o cabelo tão curtinho. Fui encontrar com meu namorado e já tinha avisado que tinha raspado a cabeça. Ele me disse que parecia que eu tinha vindo de Londres e disse que tinha se apaixonado de novo. Curti e me reconheci.”
Equilíbrio
“Tinha feito um rejuvenescimento bem suave, numa campanha uma marca de ácido hialurônico. Conheci minha dermatologista Ligia Colucci, que é maravilhosa, muito atualizada. O procedimento deu uma vitalidade. Na verdade, era para dar uma combatida nas olheiras. Foi um procedimento estético, que não aparece que você fez, mas faz diferença. Foi uma coisa equilibrada. Se a gente pegar a lógica e pensar em fazer algo para rejuvenescer, o natural é que eu continue com o cabelo preto. Mas levei esse assunto para a médica e ficou equilibrado e interessante com os fios brancos. É interessante ir incorporando dados do envelhecimento ao seu visual, para não ficar aquela ideia de que você está disfarçando. Senão uma hora, você vai abrir a capa e falar: ‘Oi pessoal , estou velha’. Dá para fazer isso de maneira equilibrada. E os procedimentos estéticos hoje, muitos deles, substituem a plástica. Não precisa fazer a plástica como se fazia antes.”
Mudança
“Tenho no DNA uma coisa de mudança. Gosto de experimentar coisas novas. Isso me faz bem, mas isso é coisa minha. Não significa também que vou ficar com o cabelo branco eternamente. Mas nesse momento eu quero. Eu achei que não fosse aguentar ficar muito tempo. Com três meses estava difícil, mas fui me acostumando e hoje eu estou amando. Já sei como lidar, como cuidar, como tratar com a textura.”
Cuidados com os brancos
“Uma pessoa pode até se livrar das tintas e de alguns cuidados com o cabelo branco, mas há cuidados que devem ser tomados. Quando você assume seu cabelo branco, tem que dar uma atenção extra para sua pele, tem que hidratar muito o cabelo, uso grampinho de vez em quando. Não uso muito secador, mas posso usar. Uso filtro solar. Muito legal, porque você passa a gostar de cuidar dos cabelos. Tem também aqueles xampus que você usa para não amarelar. É preciso ficar sempre de olho. Mas a tinta também exigia determinados cuidados. Os cuidados mudam, mas você continuam existindo. A gente não pode achar que o cabelo branco não requer atenção. É mais poroso, amarela com mais facilidade.”
Idades
“Tenho todas as características das idades em mim. às vezes, eu sou uma velhinha, às vezes, eu sou uma criança. Outro dia ouvi um termo, acho que do psicanalista Christian Dunker, que o termo melhor não é ‘ageless’, mas ‘agefull‘ (cheias de idade), porque nós não somos sem idade, mas temos muitas idades. Isso significa que a gente tem 40, 50, 12, 2. Todas essas pessoas estão em nós. Tenho às vezes a impressão, quando lembro de determinadas coisas, que parece qu aconteceu em outra vida. Mas o que eu falo dos jovens, como quando fiz a frase ” a juventude é uma coisa que o tempo cura”, é que em uma determinada idade da vida, a gente tem muitas certezas imutáveis. Isso tem a ver com a adolescência, com a juventude, em que existe uma rigidez de pensamento e opiniões, que faz mal. Um jeito ranzinza de encarar as coisas. Com o tempo a gente percebe que não vale a pena comprar essa briga. Envelhecer é ligar o foda-se. Quando a gente pode ligar o foda-se, é muito bom.”
O ato de escrever
“Quando comecei a escrever, queria ser delicada. Quando era mais nova, eu ouvia muito dos meus irmãos que eu era chorosa, muito chata. Eu cheguei tarde e peguei um lugar na arquibancada. Já tinha quatro irmãos. Mas hoje eu vejo que esse lugar na arquibancada foi muito privilegiado, talvez até de camarote, porque acabei adquirindo uma capacidade de observação das coisas. Eu me expressa chorando, porque eu era muito velhinha, não conseguia ser ouvida. A escrita era uma saída para a delicadeza. Lá eu conseguia ser uma pessoa, como se eu tivesse conquistado uma voz. A voz da escrita é uma voz da delicadeza. Mas pessoalmente sou mais escrachada e mais divertida. Hoje em dia, quero adquirir essa capacidade de trazer para a escrita um pouco do meu humor. Acho que consigo, mas é difícil. NO meu novo podcast, o 50 Crises quero trazer um pouco do meu lado humorístico, como fazia no meu programa do Youtube.”
50 Crises
“Esse nome nem fui eu que inventei, foi criado pensando nesse programa do Youtube, quando eu tinha 46 anos. Achei genial. É um trocadilho com a crise dos 50 e eu adoro trocadilho. Mas também porque sou múltipla, no sentido de ser várias para continuar sendo eu mesma. A moda traz muito isso. E a palavra ‘crise’ é muito rica. A gente sabe que as coisas boas vêm das crises. Quando eu fiz o ’50 Crises’ antes, queria falar das muitas crises que eu sou. Agora, ganhou um sentido mais amplo. Estou no auge da minha paz anterior, muito bem comigo, minha autoestima está bacana, tenho uma relação amorosa que consegui construir do alicerce, cada tijolinho. Tem uma coisa da maturidade. Eu estou num momento bom, apesar desse entorno tão horroroso, desse contexto social, político, de saúde. Mas ao mesmo tempo, não vou deixar de comemorar minha vida. Eu estou atenta ao que está acontecendo, mas tenho outro sentido, por isso eu retomei esse nome, para fazer o podcast. Tem um sentido que eu nunca tinha reparado. Eu sou aquela pessoa que vou a um evento de moda, mas também tenho livro de crônicas. Aí vou num evento de literatura, a pessoa fala, ‘mas você não escreve sobre moda?’ Eu consigo ser um peixe fora d’água em qualquer lugar, até na turma dos mais moderninhos e dos mais caretas.”
Somos várias pessoas
“Não quero ser uma só, assim como eu acho que todas nós e todos nós somos várias pessoas. A nova economia fala de profissionais que são múltiplos. De repente, eu vi isso em mim. Eu dou palestra, faço várias coisas diferentes, coisas que antes dos 40, eu não imaginava. Antes da minha grande perda na vida, do meu maior sofrimento, não imaginava que eu era capaz. Tudo isso surgiu de um grande sofrimento então, quero trazer isso para todo mundo, para que outras mulheres e outros homens entendam que nós podemos ser múltiplos. E é isso. Eu sou engraçada e também faço frases motivacionais.. Escrevi história infantil que esta sendo ilustrado. Estou fazendo um capítulo novo para o livro “Moda Intuitiva”, sobre moda madura. Falo sobre saúde mental. Eu adoro falar sobre tudo isso. Sou especialista em ‘tudo isso’.”
Redes sociais
“Já fui muito para fora, agora estou muito mais para meu interno. A quarentena me trouxe a oportunidade de ficar mais em casa, percebi o tanto que gosto disso, mas a rede social é uma vitrine constante. Você tem ali uma persona. Você está aqui, mas seu avatar está no instagram, no face, no Linkedin. É muito legal, tem uma utilidade incrível, mas tem também outra coisa. Primeiro, a gente sempre se vê na tentação de achar que a vida do outro é perfeita. Eu falo isso sendo uma produtora de conteúdo digital. Consigo fazer enquadramento perfeito, de uma vida boa. Posso passar a impressão de que sou tão bem resolvida comigo e que não tenho problema, porque a rede social faz isso com a gente. Li o livro da escritora Chimamanda Adichie, chamado “O Perigo de Uma História Única”, muito interessante. A gente vê uma história única nas redes sociais e acredita naquela realidade, mesmo se você também é produtora de uma história única. Até escrevi uma crônica chamada Hastag Socorro (no livro “Procurava O Amor no Jardim de Cactos”), em dou um exemplo. Conto que estava em Milão e tirei uma foto em frente ao Duomo de Milão, mas ninguém sabia que eu estava com o pé doendo, que eu não tinha mais nada no bolso, que ia voltar de classe econômica para o Brasil. O tempo todo a gente a credita na verdade do outro, mas a gente produz a mesma verdade.”
Descascando o Instagram
“A gente precisa desenvolver um filtro interno para ver rede social todo dia. Eu faço esse exercício de descascar a vida do outro todo dia, porque se eu for dar a voltinha no Instagram, antes mesmo de levantar da cama eu já vi uma pessoa fazendo todas as posições de ioga, outra brincando de argila no jardim de casa com os filhos. Aí eu penso que tipo de mãe eu sou porque meu filho está na frente do videogame. Outra pessoa está la falando de produtos sustentáveis e lava a louca com a bucha vegetal. Até isso eu acho interessante, mas autocuidado tem limite. Eu comecei a ver que estava com uma rotina tão grande de autocuidado, que no final estava me maltratando. A gente tem que ver até que ponto a tente consegue se encaixar nisso. Eu quero ser sustentável, mas eu não vou ser sustentável como um millennial, porque a vida para mim era muito mais cheia de embalagem, de coisas artificiais.
Regras e padrões
“Eu preciso do meu tempo para me identificar, porque não dá para sair de uma regra e entrar em outra. Igual à maternidade. Antes a mulher fazia cesariana toda hora, agora não pode mais. Vai para a psicanálise, porque se teve um filho por cesariana, vai ser condenada por uma comunidade. Não dá para sair de um padrão e entrar em outro. É preciso descascar o Instagram todo dia. É só pensar que em volta tinha uma confusão, uma criança gritando, que aquela mulher que está fazendo ioga,pode estar mal no casamento. A gente é muito condescendente com a vida do outro e muito pouco com a nossa.
Moda injustiçada
“Moda é muito injustiçada, porque tem um poder incrível de desnudar e colorir a nossa alma, de fazer isso com a maneira como a gente lida com a nossa vida. A gente tem que se amar e usar a roupa como um instrumento para se amar. Que seja um instrumento de amor e não de rejeição. Se a gente não se gostar, não tem como o outro gostar da gente no nosso lugar. Esse gostar meu comigo mesma ninguém substitui. Não dá para meu namorado gostar de mim sem eu me gostar, porque vai fazer falta meu amor por mim mesma.”
Opinião alheia
“Tem essa história de que a opinião do outro não importa. Claro que importa, mas é preciso eleger as opiniões mais importantes. Por exemplo, quando eu falo da história do meu cabelo branco, foi fundamental a opinião do meu namorado. Caso ele falasse para mim que não tinha gostado, não sei se eu deixaria de pintar. Não é tão simples assim. A gente tem que considerar algumas opiniões que são importantes, mas algumas apenas. Se a gente for olhar para a opiniões de todo mundo, não tem cabimento, afinal o mundo tem 7 bilhões de pessoa.”