Nada é combinado, mas no quinto dia da 58ª edição do São Paulo Fashion Week (SPFW), a maioria dos desfiles, de uma forma ou de outra, falou da mulher. A cantora Zezé Motta, 80 anos, foi o destaque da coleção do Apartamento 03. Teve ainda os corpos dilacerados e expostos de Renata Buzzo, que contou uma história de assassinato de uma mulher, além do desfile de AZ Marias, sempre inclusivo e diverso, para todos os corpos.
Esses foram os desfiles que aconteceram fora do Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Ibirapuera. Lá, referências à mulher dominaram quase todas as apresentações. A Sau Swim, por exemplo, dividiu seu desfile em cinco atos, com inspiração no livro “Aurora: O Despertar da Mulher Exausta”, de Marcela Ceribelli, abordando diversos momentos femininos.
Ateliê Mão de Mãe se inspirou nas Ìyamis, mães protetoras do candomblé, para a apresentação do seu crochê, que teve Marina Sena na passarela. E, por fim, João Pimenta, que faz uma moda masculina que foge dos padrões, mostrou alguns de seus modelos com minissaia, peça típica do guarda-roupa feminino.
Veja resumo dos desfiles
Az Marias
AZ Marias encerrou a jornada da coleção Florescer. Depois de tratar dos quatro elementos primordiais da natureza, foi a vez do Éter. A proposta teve início na edição N54 da São Paulo Fashion Week, trazendo sustentabilidade, celebração de corpos reais e a influência das religiões de matriz africana à passarela. Looks largos, ora mis curtos, ora longos, com estética relaxada e comfy passaram pelo grande corredor do Teatro Oficina.
Para os gregos antigos, o Éter representava a substância celestial, responsável por preencher o espaço onde os outros elementos não chegam. Esse conceito é combinado à figura central de Orí, considerado o guardião do destino e da cabeça de cada indivíduo. Portanto, o desfile conecta e reflete sobre moda e consciência. Também carrega uma forte influência do filme “O Quinto Elemento”, com detalhes e acessórios inspirados na estética futurista e na figura feminina exaltada pela trama.
As estampas crioulas, que remetem às tradições e culturas afro-brasileiras, estavam presentes, criando uma fusão entre o contemporâneo e o ancestral. Diretora criativa, Cintia Felix se manteve comprometida com a sustentabilidade, com o foco em matérias-primas ecologicamente responsáveis. Voltou a utilizar o cânhamo, fibra natural conhecida pela sua resistência e baixo impacto ambiental, além de tecidos como a viscose ecovero.
Renata Buzzo
A inspiração vem de um conto poético policial, que começa a ser narrado a partir da descoberta da morte de uma mulher. Por isso, os looks contam com aplicações de órgãos e ossos, feitos à mão, como um corpo dilacerado, que expõe suas entranhas. Destaque para o vestido de noiva que traz como detalhes as formas de esqueleto.
“Fala da questão da morte, são três mortes. Quando você está num relacionamento que você sofre um apagamento e você é obrigada a exercer uma coisa que você não é. É um óbito social. A gente fala da morte visceral, a mulher morre muitas vezes pela mão de gente que ela ama. E a morte metafórica de você se reinventar, de você morrer quantas vezes você precisar”, disse Renata Buzzo em conversa com Gkay, que estava na passarela, ao lado de Letícia Colin.
A influencer desfilou com uma minissaia rosa com aplicações de tule e reprodução do aparelho reprodutivo feminino, além de top com sutiã cônico. Leticia Colin mostrou um casaco marrom aberto, com apenas uma meia-calça por baixo. Como enfeite, aplicação em forma de intestino.
Apartamento 03
A coleção da Apartamento 03 foi batizada de “Grão”. Assim, celebrou o o café, o legado deixado pelos ancestrais e ainda fez uma homenagem à árvore genealógica. Trata-se de uma conexão entre o passado e o presente.
A paleta de cores mistura tons de verde e terrosos, incluindo aspectos florais e detalhes artesanais. Os looks contam com fluidez, camadas e franjas. O diretor criativo Luiz Claudio chamou Zezé Motta para estrelar o desfile, com look marrom, com franjas.
Sau
A marca cearense Sau Swim se inspirou no livro “Aurora: O Despertar da Mulher Exausta”, de Marcela Ceribelli, para criar sua coleção de verão 2024/2025, dividida em 5 blocos que representam os vários momentos das mulheres.
O primeiro bloco, por exemplo, em vermelho e degradês, representa a ansiedade, o medo, a coragem. Ganha o nome de “Exausta” e o primeiro look conversa perfeitamente com esses sentimentos: um top e shorts todo tramado e emaranhado em vermelho.
Depois veio bloco de marrons, com tramas ou drapeados, chamado “Mulheres Difíceis”, falando da desigualdade no mercado de trabalho. Na sequência, brancos com pegada mais esportiva, com tops, shorts e vestidos feitos com pedaços de tecidos quadrados, costurados, no bloco “Novo Espelho”.
A cor rosa veio no bloco “Quanto Custa o Amor”, com maiô, vestidos, túnicas em tecidos atoalhados. E no final, “Confie no seu Processo”, trazia mais transparência, como a calça que tinha flores encaixadas. Um reflexo sobre as mulheres atuais exaustas, mas que nunca desistem.
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Mercado Livre
Um dos patrocinadores do evento, o Mercado Livre, promoveu um desfile durante o SPFW, com styling de Daniel Ueda para apresentar a diversidade de peças que vende em sua plataforma. O streetwear apareceu forte, revelando várias tendências: lingerie sobreposta, peças de times de futebol, jaquetas esportivas, casacos e saias longas.
Sou de Algodão
O projeto Sou de Algodão foi criado em 2016 para valorizar o produto com cultivo responsável e toda a cadeia produtiva. Nesta sexta-feira, mais uma vez mostrou a criação de 12 estilistas parceiros que trabalham com o tema Manualidades, apresentando várias possibilidades do algodão.
Leia-se crochê, tricô, macramê, aplicações e, claro, os tecidos planos. Marrom, cru, naturais e mostarda desfilaram na cartela de cores. Os gêmeos João e Francisco, filhos de Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert, encerraram o desfile com looks floridos e amplos de João Pimenta.
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Os demais estilistas são:
Adriana Meira – Inspiração celestial e sobreposição de tecidos em homenagem à sua avó.
Ateliê Mão de Mãe – Crochê como centro das criações e celebração da força feminina.
Catarina Mina – Looks com renda de bilro homenageando a tradição cearense.
David Lee – Alfaiataria utilitária com aplicação de flores em peças de crochê.
Heloisa Faria – Macramê e upcycling em modelagens de alfaiataria.
Igor Dadona – Quadriculados feitos à mão com bordados e florais.
João Pimenta – Looks florais amplos que celebram a parceria com Sou de Algodão.
Martins – Patchwork oversized com recortes e bolsos em jeans.
Ronaldo Silvestre – Vestido longo e maxi jaqueta com tramas artesanais.
Thear (Theodora Theo) – Looks em crochê inspirados no cerrado brasileiro.
Walério Araújo – Franjas de capim e glamour para o red carpet.
Weider Silverio – Peças femininas com fibras naturais e estética urbana e tribal.
Ateliê Mão de Mãe
O Ateliê Mão de Mãe fez seu sexto desfile no SPFW apresentando a coleção Ìyamis, mães protetoras do candomblé. A celebração a essas mulheres teve o crochê potente da marca como protagonista e Marina Sena finalizando a apresentação, sendo observada pelo namorado Juliano Floss. A cantora desfilou com biquíni mínimo e saia longa de cintura baixa.
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A apresentação começou com três looks brancos, incluindo um guarda-chuva e flores aplicadas. Depois passou para vermelhos, verdes, azuis, marrons, amarelo e mostarda. A variedade de looks de crochê é enorme, com suas franjas (as vermelhas faziam referência à menstruação), pontos abertos ou mais fechados e modelagens comuns ou inesperadas.
As peças em linho deixaram a coleção mais leve e fluída, ao lado do peso de outros looks feitos com palha de piaçava, confeccionados em parceria com o designer Cristiano Carlos. Os cabelos das modelos foram penteados como esculturas davam dramaticidade ao styling da apresentação.
João Pimenta
João Pimenta subverte há décadas os códigos de vestir masculinos. Desde quando se apresentava na Casa de Criadores, inseria em suas coleções elementos femininos, que iam de modelagem a saias. Na apresentação que fechou o quinto dia desta edição do SPFW, não foi diferente.
O estilista batizou sua coleção de “Asas à Cobra” e vestiu alguns de seus modelos com minissaia. Sem deixar de lado nem um pouco de seu talento na alfaiataria poderosa, mas nada óbvia, o estilista apresentou seu resort de luxo, trazendo mangas caixotes, com ombros largos e estruturados, ao lado peças mais fluidas. E, claro, as cobras aparecem nas estampas, para fazer jus ao nome da coleção, ora em texturas e prints da cobra, ora em desenhos nos looks leves e esvoaçantes. E, como de praxe, mas sempre diferentes, tecidos leves, como rendas, chiffon e linho se misturam a tecidos e padronagens.
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O preto e o branco conduzem a primeira parte da apresentação e depois entra o amarelo, levando ainda mais poder a esses homens – e mulheres – que se livram de amarras na passarela também amarela.
Colaborou Patrícia Zwipp