A moda, ainda que seja a segunda indústria mais poluidora do mundo, de acordo com estud publicado pela Global Fashion Agenda, em 2022, há um movimento de sustentabilidade que tem sido seguido por algumas marcas, tanto em relação à matéria-prima utilizada, quanto ao processo de fabricação ou mensagens passadas por meio de suas apresentações. Fogo, religião e meio ambiente foram o mote da maioria das coleções apresentadas no quarto dia da 56ª edição do SPFW, que termina nesse domingo (12), em meio à onda de calor que atinge a cidade de São Paulo.
Na passarela, por onde passaram alguns famosos, como Lucy Ramos e Sérgio Guizé, temas como “Heatwave”, que nomeia a coleção apresentada pela Forca Studio, e “Fogo”, da marca AZ Marias, parecem que foram escolhidos a dedo para esse período em que o clima está muito mais quente que o normal. As inspirações quentes vêm acompanhadas de atitudes para tentar fazer a moda mais sustentável e também contestadora. Materiais que não agridem tanto o meio ambiente, como borracha natural da Amazônia, uso de matéria-prima de descarte, tingimentos naturais fazem parte da produção de grande parte da roupa.
Religiões, lua, mar e sertão, pele à mostra também estiveram presentes nas passarelas do SPFW nesse penúltimo dia em que desfilaram, além da Forca e de AZ Marias, as marcas Ateliê Mão de Mãe, João Maraschin, Ângela Brito, Rocio Canvas, Renata Buzzo e Santa Resistência. Alfaiataria perfeita, franjas, balonê, assimetria, trench coats leves e vestidos fluidos prometem invadir as próximas temporadas, em cores que vão do preto, branco, cinza e bege ao acesos, como laranjas e vermelho, passando por azuis.
Ateliê Mão de Mãe
O Ateliê Mão de Mãe, dos baianos Vinícius Santana e Patrick Fortuna, mantém seu savoir faire dos crochês, mas avança ainda mais em modelagem, sinuosidades e sobreposições delicadas em suas roupas feitas à mão. Uma cartela de cores que exalta o bairro de Salvador Água de Meninos, com amarelos, verdes, beges e brancos, consegue dar ainda mais força à bela e atualíssima coleção feita à mão, técnica tão necessária e valorizada atualmente.
João Maraschin
A estreia de João Maraschin, que tem sua marca homônima sediada em Londres, onde se formou em 2020, após trabalhar com Ronaldo Fraga, também marcou o viés sustentável do evento. A coleção “Home” trouxe o DNA da marca enraizado na preservação das técnicas manuais. Por isso, macramês sobrepostos a estampas feitas à mão, crochês e tricôs com cordas e linhas de pesca, jacquards em algodão orgânico. Além disso, usou fios obtidos de garrafas PET, couro de pirarucu, tricôs tingidos com frutas e vegetais, uso de materias descartáveis e bordados manuais com pigmentação biodegradável. Tudo issi resultou numa coleção limpa, com corte, acabamento e eleboração precisos, recheada de franjas e transparências.
Angela Brito
Angela Brito, estilista de Cabo Verde, baseada no Brasil, pensou nas romarias de peregrinos, migrantes e imigrantes, e festas regigiosas, para criar a coleção apresentada no SPFW neste sábado (11). Com tecidos de algodão misturados ao tecido tecnológico memory de poliamida. Para unir o tradicional com o moderno, Angela usou também o pano de tear caboverdiano Panu di tera, em alguns looks. O resultado foi uma moda que transcende o tempo, leve, confortável, numa cartela de cores enxuta, com branco, preto e cinza e pinceladas verde e azul em tom pastel. Alguns looks traziam a modelagem balonê, que está entre as principais tendências do momento.
Rocio Canvas
O inverno 2024 do estilista Diego Malicheski, da Rocio Canvas, trouxe mais uma vez a alfaiataria desconstruída da marca, com sobreposições, moulage em tecidos como denin, trench coat com ombros em evidência, em três tipos de tecidos para climas diversos, ilhoses, esferas em tons que vão do branco, ao bege, marrom e preto. Modelagem mais justa e mais ampla conferem movimento às produções.
Az Marias
AZ Marias, da estilista Cintia Felix, levou a terceira parte da série Florescer. Depois de falar dos elementos Terra e Ar, agora usou o Fogo, para falar tanto dos problemas climáticos quanto do racismo. Também celebrou as religiões de matrizes africanas, com a figura do Exu, que “iniciou” o desfile com sua risada forte e o tridente na mão. A apresentação foi pontuada pelo dancehall, gênero e dança popular jamaicana, que celebra corpos reais e plurais, muito vistos na passarela da marcas, que também levou o rapper Onã, cantando contra o racismo. Muito vermelho, além de amarelo e laranja, ao lado de jeans e pele à mostra marcaram presença.
Renata Buzzo
A fases da lua e o mar foram as inspirações de Renata Buzzo para a apresentação no SPFW. O resultado apareceu em looks longos, com recortes, com tecidos trabalhados, ora franzidos, ora com aplicações de pedaços de tecidos. A estilista, que trabalha também com reaproveitamento de materias, sabe transformar retalhos em roupas sofisticadas e atemporais. Na passarela, a ex-BBB Tina Calamba e a influencidadora Thay Sanqueta, que entrou na passarela com o braço direito enfaixado, apenas como efeito de styling. Brilho também não faltou no desfile.
Santa Resistência
O sertão nordestino do poeta Catulo da Paixão Cearense foi a inspiração da marca Santa Resistência. O desfile começou com looks terrosos, com brilho ou mais opacos, evoluindo para os solares amarelos e laranja, chegando a azuis e pretos. Tecidos de algodão sistentável, couro com vazados e aplicações de brilhos, como o vestido usado por Lucy Ramos (segunda da esquerda para a direita na foto), permearam o desfile.
Forca Studio
Urbana e com foco no sustentável, a grife Forca Studio, dos paulistanos Vivi Rivaben e Silvio de Marchi, apresentou a coleção “Heatwave”, sobre consequências geradas pela ação humana no planeta. “Tivemos que dar uma pausa na narrativa que havíamos construído há duas temporadas para destacar nossa angústia com as crises ambientais globais. Estamos vivendo em um momento sem precedentes, e sentimos que a moda deve dar voz a isso e se tornar parte dessa mudança inadiável”, disse o estilista e DJ Silvio De Marchi.
Com Sérgio Guizé na passarela, o desfile levou peças com materias sustentáveis, como nova linha de tecido maleável de borracha desenvolvida manualmente por tribos artesãs da Amazônia. A dupla também usou peças cujo tecido é feito a partir de câmaras de pneus recicladas, além de borracha nativa, retiradas por comunidades extrativistas da Amazônia, entre outros materiais. Para os homens, shape mais largo, para as mulheres, looks justos e recortados. Tudo mostrado num cenário de fogo e destruição.