No Dia Internacional da Mulher, comemorado neste 8 de março, nada de rosas ou de perfumes. Para dar voz a mulheres que fogem do padrão, chamamos quatro delas que conquistaram espaço no mundo fashion como modelos, para responder quais os perrengues que passaram, se há realmente sororidade entre elas, o que gostariam de comemorar, se sentem uma evolução da sociedade e qual a mensagem que deixam para todos e principalmente para os mais jovens.
Essa pequena série de depoimentos começa nesta terça-feira (8) e prossegue até sexta-feira. A primeira é a a modelo e bailarina plus size Raphaella Tratske. Na moda desde 2015, a modelo de de 26 anos, natural de Joaçaba (Santa Catarina) foi eleita por Pabllo Vittar e coreógrafo Flávio Verne para mostrar todo seu suingue no show “I am Pabllo”, gravado em comemoração aos 5 anos de carreira da cantora.
“Minha medidas não me impedem de fazer nada. Eu visto manequim 46, com muito orgulho e cheia de saúde! Meu corpo é a ferramenta que uso para mostrar a minha arte”, afirmou a modelo, que engrossa o movimento body positivity. Mas alerta: “Acho importante ressaltar também sobre a gordofobia que a mulher gorda passa, quando tem seu direto de ir e vir violado por não ter catracas maiores em ônibus, metrôs, ou quando a poltrona do avião não comporta seu tamanho”, afirmou Raphaella, que e agenciada da Way Model, agência de Sasha Maneghel, Carol Trentini e Alessandra Ambrosio.
Ela já estrelou campanhas para grifes como Farm, Renner, Shoulder, Hering e Jogê, entre diversas outras. “Tudo começou por incentivo do meu avô, que viu uma matéria sobre modelos plus size e disse que eu precisava ir atrás. Todos da minha família começaram a me incentivar e foi assim que tudo começou”, relembra.
Raphaella Tratske tem 1,72 m e no show com a cantora Pabllo Vittar destacou-se nos quatro palcos que representavam os elementos água, terra, ar e fogo, montados na OCA – Parque Ibirapuera, que foram gravados em novembro de 2021. Foi um desafio muito grande! Foram dois meses de ensaios. Esta foi a primeira vez que me apresentei dançando ao lado de uma artista tão respeitada. Todos os corpos precisam ter espaço e me enche de orgulho poder trazer representatividade e diversidade à moda e agora também à dança”, comemorou.
Veja uma das performances de Rapahella no corpo de dança de Pabllo Vittar
Confira as respostas às cinco perguntas enviadas pelo “Elas no Tapete Vermelho”. As próximas que terão suas respostas publicadas aqui até dia 11 são: a modelo preta e da periferia Thais Queiroz; a modelo trans Kayla Oliveira. e a modelo com cicatrizes Giulia Dias.
Elas no Tapete Vermelho – Qual o maior perrengue que você passou por ser mulher plus size?
Raphaella Tratske – Não diria um perrengue, mas tenho muito orgulho de quebrar paradigmas em uma sociedade, ainda machista. Trazendo a minha beleza, que antes era motivo de indagação e questionamento, para o centro do meu trabalho hoje. O maior perrengue que qualquer mulher passa, sendo gorda ou não, é tentar se encaixar em um padrão estético, sem antes entender que o nosso valor não está apenas no nosso corpo físico. A beleza está em todos os corpos, em todas as pessoas. As nossas diferenças são justamente o que nos fazem especiais.
Elas no Tapete Vermelho – Neste Dia da Mulher, o que você realmente gostaria de comemorar?
Raphaella Tratske – As conquistas de muitas outras mulheres que vieram antes de mim para que hoje eu pudesse estar na posição que estou, de escolher e tomar minhas próprias decisões. E assim eu sigo, comemorando e inspirando outras mulheres a fazerem o mesmo, para que juntas tenhamos no futuro os nossos direitos sempre garantidos.
Elas no Tapete Vermelho – Você acha que a sociedade evoluiu no últimos anos?
Raphaella Tratske – Nós “evoluímos”, temos nossos direitos, leis que nos protegem, porém ainda sofremos com discriminação salarial. Muitas mulheres enfrentam dupla jornada de trabalho e ainda ganham menos do que homens, mesmo ocupando os mesmos cargos. Vendo essa situação, o machismo ainda está enraizado em alguns lugares, desvalorizando a mulher, tentando “invisibilizar” o espaço que já ocupamos. As mulheres merecem respeito, alcançamos nosso direto de ir e vir, somos símbolo de beleza. Mas será que todas nós alcançamos mesmo? Já que estamos falando de sociedade, acho importante ressaltar também sobre a gordofobia que a mulher gorda passa, quando tem seu direto de ir e vir violado por não ter catracas maiores em ônibus, metrôs, ou quando a poltrona do avião não comporta seu tamanho. Quando tem sua autoestima abalada por não conseguir se vestir, por não encontrar roupas do seu tamanho. Isso é “invisibilizar” uma pessoa e querer que ela não faça parte desse lugar. E isso tem que mudar!
Elas no Tapete Vermelho – Há sororidade/parceria entre as mulheres plus size?
Raphaella Tratske – Ainda existem algumas discussões sobre o corpo gordo. Gordo demais, magro demais para ser gordo. Afinal, como determinar se a pessoa é gorda ou não? A verdade é que a gente nunca vai ter uma resposta para essa pergunta!
E quem busca respondê-la, só está buscando comparativos e gerando mais divisão dentro da sociedade. Graças à Internet, hoje sabemos que existem muitas pessoas semelhantes a nós, que nos inspiram, e que nos fazem acreditar que não estamos sozinhos. Eu vim de uma cidade muito pequena, com 30 mil habitantes, onde morei até meus 15 anos. Eu era uma das poucas crianças/adolescentes gordas da época. Na TV, não existiam pessoas semelhantes a mim. Na Internet, pouco se falava sobre o assunto. Nas revistas, apenas referências magras. Cresci com essas referências, mas sem desacreditar da minha própria beleza e valor. Quando me apresentaram o mundo plus Size, foi como música para meus ouvidos.Embarquei de cabeça, pois ser modelo era um sonho que tinha quando era criança. Hoje, tenho várias amigas no mercado, trocamos experiências, conquistas e nos inspiramos umas nas outras.
Elas no Tapete Vermelho – Qual o recado que você gostaria de deixar neste Dia da Mulher para a sociedade em geral e também para os jovens?
Raphaella Tratske – Não tente ser perfeita, pois você já é. Quando eu era criança, eu sofria muito bullying. As pessoas me chamavam de gorda e eu achava que era uma ofensa.
Até que eu comecei a parar de me importar com o que os outros diziam. Hoje trabalho com beleza, tenho a honra de ser uma das modelos mais requisitadas do mercado, tudo porque eu não deixei de acreditar no meu valor e na minha beleza. Eu sempre quis ser modelo e também bailarina. E eu digo a vocês: quando acredita que tudo vai dar certo, dedique tempo e esforço. O sucesso é infalível! Ah, e a gente não consegue nada sozinho! Construa uma rede de apoio, se permita ser inspiradora e ser inspirada pelas suas amigas e familiares. Apenas juntas conseguiremos dar continuidade na construção de uma sociedade mais justa e menos machista. Meu trabalho hoje é inspirar outras jovens que, assim como eu, tem o sonho de trabalhar como modelo e talvez estejam com medo pelo que os outros vão pensar – ou por já sofrerem algum tipo de preconceito. Lembrem-se: as suas diferenças, as coisas que você tem de diferente, são o que te fazem especial! Sou mulher, gorda, modelo, atriz, bailarina, realizando todos os meus sonhos. E buscando inspirar você a realizar os seus também.