Ao chegar no 14º andar do prédio situado na alameda Santos, em São Paulo, em frente ao icônico Conjunto Nacional, a sensação que se tem é de que lá comanda uma pessoa que sempre teve de tudo na vida. Afinal, Anderson Baumgartner, 46 anos, é o dono da Way Model, que tem nada menos que 200 agenciados e nomes como como Alessandra Ambrósio, Carol Trentini, Marlon Teixeira, Mônica Martelli e Paulo André, ex-BBB e atleta profissional, no casting. Mas um jargão muito usado no mundo fashion cabe perfeitamente ao Dando, apelido pelo qual é conhecido: “Quem vê close não vê corre”.
E é esse lado desconhecido por muitas pessoas, até recentemente por gente próxima, que ele conta no livro “Dando a Volta Por Cima – A história de Anderson Baumgartner, fundador da maior agência de modelos e de celebridades do Brasil”- Em depoimento a Maurício Oliveira. As 186 páginas da publicação, cuja primeira noite de autógrafos acontece nesta terça-feira (29), no Shopping Iguatemi, em São Paulo, são poucas para caber a história desse catarinense de Itajaí, que viu a mãe morrer ao seu lado após um acidente doméstico, perdeu seu pai de câncer logo depois e teve de sair da escola por mais de um ano para cuidar dos irmãos mais novos. Tudo isso com 10 anos.
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Superação, persistência e sucesso parecem palavras de auto-ajuda, mas resumem perfeitamente sua vida. Apesar de tudo, a vida constuma sorrir ao Dando, de fala fácil e carisma enorme. Tempos depois disso tudo, por circuntâncias do acaso, foi estudar na mesma escola do hoje fotógrafo renomado de moda Fábio Bartelt, cuja família o adotou, aos 12 anos. Estava selada uma amizade fraterna difícil de explicar no plano terreno. Com o atual marido de Carol Trentini, o dono da Way viveu aventuras dignas de um roteiro de filme. Até fome passaram juntos na ânsia de trabalhar de alguma forma no mercado de moda.
A entrevista que concedeu com exclusividade ao “Elas no Tapete Vermelho”, no escritório da Way Model em pleno Jardins Paulista, teve como pano de fundo a vista poderosa da selva de pedra paulistana, uma paisagem impensável para aquele garoto que, aos 15 anos, já na casa da família adotiva, viu o videoclipe “Freedom”, de George Michael, produção que marcou os anos 1990 e que reunia algumas das maiores estrelas da moda à época: Linda Evangelista, Naomi Campbell, Christy Turlington, Cindy Crawford e Tatjana Patit Anderson. Ficou encantado com o que via e a partir disso, soube o que queria fazer na vida: trabalhar com moda. Não poupou esforços para isso.
Veja trechos da entrevista em que resumiu um pouco do livro e de sua vida. A publicação tem prefácio por Leandro Karnal e apresentação por Mônica Martelli. O valor é R$ 59.
Órfão ainda criança
“Meus pais biológicos morreram muito próximos um do outro. Eu era o filho mais novo do primeiro casamento deles: tínhamos mais dois irmãos. Minha mãe morreu de um choque elétrico em casa, num dia que eu perdi a hora e acabei faltando da escola. Estava fazendo meu irmãozinho de 6 meses dormir e meu irmão mais velho, já com 18, tinha saído com minha outra irmãzinha para comprar farinha. Depois de ajudar minha mãe a passar cera, peguei no sono com o bebê e não reagi aos primeiros gritos de minha mãe. Parecia que estava em transe. Quando fui ver o que tinha acontecido, ela já estava tremendo eletrocutada no chão do banheiro. A mangueira da máquina de lavar tinha se soltado e pegou nela. Se eu tivesse ido logo no começo, teria tentado salvá-la e também teria recebido choque. Alguns meses depois, meu pai morreu de câncer. Fiquei orfão aos 10 anos, em 1988. Meu irmão de 18 levou a namorada para casa e minha irmã de 16 já namorava também. Eu fiquei mais de um ano sem ir à escola, para cuidar dos outros dois irmãos menores que eu, frutos do segundo casamento de minha mãe.”
Jô Soares
“Muita gente próxima não sabia da minha história, que eu era órfão, passei fome, que fazia polenta para meus irmãos. Carol Trentini, com quem trabalho há 20 anos e é mulher do Fábio, disse que não conhecuia metade das histórias do livro. Jô Soares, já em 2006, me aconselhava a escrever minha história, falando que minha vida era incrível.”
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Paulo Gustavo
Paulo Gustavo, outro amigo muito próximo, soube muito tempo depois que eu fiquei órfão criança. Ele foi outro que me incentivou a escrever a história, dizendo que não imaginava que eu tinha passado por tudo o que possei. Aliás, ele foi meu maior incentivador também a abrir o departamento que cuida da carreira de celebridades. Mas só consegui fazer isso em 2016, começando com ele, e abrindo em 2017, a Way Star. Eu nunca vou dar o passo maior que a perna se eu sentir que não vou dar conta. E, por muitos anos, não me sentia pronto para cuidar de celebridades.”
Irmão de alma
“Na pesquisa do livro, o meu historiador descobriu algumas coisas. Entre elas, que eu e o Fábio tínhamos estudado na segunda série do primário no mesmo colégio. A gente já se conhecia, mas não lembrávamos um do outro. Depois, nos encontramos em outra escola e ali minha vida começou. Existem todos os padrões de adoção, um pai e uma mãe adota uma criança, por exemplo. Mas ali foi quase um irmão adotando um irmão, por mais que a minha mãe tenha me adotado e minhas irmãs também me acolheram, mas foi o Fábio que me quis muito. Eu não tenho religião, quando me perguntam falo que acredito em Deus, mas tem algumas coisas na minha vida que tem que ter uma explicação: o Fábio é uma delas, temos três meses de diferença de idade e temos duas irmãs, uma de 48 e outra de 42 anos.”
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Vidro quebrado
“A gente caiu na mesma classe e demorou para ficarmos amigos. Só que quando eu comecei a frequentar a casa do Fábio, ele contou como eu o marquei na escola, por conta de um incidente. Eu sempre sentava na frente da classe, porque era CDF e puxava o saco das professoras. Para disputar o lugar com outro colega, joguei uma pasta, que atingiu a janela e quebrou o vidro. O Fábio, que conta a história no livro, estava lá fora jogando bolinha de gude e viu toda a cena. Eu chorei e fui para diretoria. Aquilo o marcou, tadinho. Ele escutou a professora falando para a diretora que eu não tinha pai e mãe. Aí começou a me olhar com outros olhos.”
Mentindo a idade
“A vida inteira eu sempre me envelheci um ano para não ter que justificar aos outros. “Sempre falei que tinha um ano a mais que ele, porque nunca quis ouvir das pessoas: ‘Ahhh, então, vocês não são irmãos de verdade’. Essa frase não cabe para mim.”
Freedom (Liberdade)
“Eu e o Fábio sempre fomos adolescentes sonhadores. Nunca fomos crianças e adolescentes que viviam ali naquela bolha. Sempre criávamos e inventávamos. Um dia vi o videoclipe “Freedom”, de George Michael. Lembro que era uma manhã. Sentei no sofá e vi aquelas mulheres lindas. Fiquei louco. Nunca havia tido acesso ao universo da moda. Não tinha dinheiro, não tinha revistas. Éramos uma família que não tinha informações. Não havia internet. Me perguntei o que era aquilo. Era uma profissão nova para mim. Não sabia que existia. Ali comecei a me interessar por tudo e ver capas de revistas, comecei a colecionar fotos. Coloquei na minha cabeça que queria trabalhar com isso neste mundo, mesmo não sabendo o que era. Falava isso para a minha mãe e ela dizia: ‘Ai meu filho, isso aí não enche a barriga’. O Fábio ia aonde eu ia na época. Um dia, descobri que tinha o curso de moda na Faculdade Univale. Não tinha dinheiro para pagar o curso, mas fui e falaram que ia ter um desfile de formatura e me perguntaram se eu não queria ajudar.”
Primeiro desfile
“Respondi que sim e conheci as donas da GG Glamour, duas Giseles (nada a ver com a Bündchen). Elas falaram que não tinham dinheiro e que faziam aquilo por amor. Eu disse que queria ajudar. Aí, escolhi as modelos para desfilar, convidei meninas lindas da cidade. Foi um dos melhores dias da minha vida. Era o que queria fazer mesmo. Quando tinha desfiles em outras cidades, como Blumenau, pedia carona na rua e ia assistir.
O concurso da Gisele
“Depois descobri que tinha um concurso promovido pela Elite Models (The Look Of The Year), a número 1 de moda na época, comandada por John Casablancas, o mesmo concurso que descobriu Gisele Bündchen em 1994; Carol Ribeiro, em 1995; Isabeli Fontana e Ana Beatriz Barros, em 1996. Fomos eu eu o Fábio até a etapa do concurso em Balneário Camboriú. Conversei com um fotógrafo que ajudava a realizar o concurso regional. Ele disse que se eu quisesse ajudar, poderia ir no sábado. Fui. Ninguém ganhava nada. Quando cheguei, tinha uma sala com algumas pessoas escolhendo as candidatas e a gente não tinha acesso. Eu só organizava fila e preenchia as fichas. Estava feliz da vida. Ganhei a camiseta da Elite e passamos para a etapa estadual. Foi aí que ouvi falar do Zeca de Abreu, que trabalhava na Elite, mas não tive acesso a ele.”
Truque para ir ao Morumbi Fashion
“Em 1996, ainda estava fazendo a mesma coisa nos concursos, mas uma amiga me falou que ia ter uma nova semana de moda em São Paulo: o Morumbi Fashion (que depois se tornou o São Paulo Fashion Week). Eu precisava ir a esse evento. No “Diário Catarinense”, saiu uma nota com o telefone da assessoria de imprensa. Fui até a casa de um amigo, o Rodrigo, que tinha telefone e pedi para ligar. Disse para a assessoria que queria dar uma nota sobre o evento. Me pediram para eu mandar a capa do jornal que eu ‘trabalhava’ por FAX. O Rodrigo, que hoje trabalha na Nasa, fez uma capa de um jornal, que batizamos de Perfil, com montagens de textos e fotos. Deu certo. Recebemos cinco credenciais, que teríamos que pegar no dia e hora marcados.
Como ir?
Fui até a loja de uma amiga no shopping em Balneário Camboriú e a convidei para ir ao desfile que teria em São Paulo. Disse que dava três credenciais para ela. Dessa forma, ela pagou hotel e transporte e colocou a gente num hotel na avenida Brigadeiro Luis Antonio. Tinha café da manhã e lá ficamos uma semana lá, mas não tínhamos dinheiro para comer durante o dia. Meu irmão passou mal de fome durante o desfile. Eu via a Regina Guerreiro e a gente passando mal. Mas estávamos na primeira fila. Não sabíamos nem que tinha sala de imprensa e coisas para comer lá. Descobri também que distribuíam foto impressas. Tenho até hoje fotos daquela época: Lino Villaventura, Patachou e outras. Sempre íamos nesse esquema. Meu avô sustentava a gente com comida e não ganhávamos nada. Era a consagração. Era o que queria para minha vida.
Hora de trabalhar
“Uma hora, minha mãe virou e disse que era hora de trabalhar, esse sonho não dava mais. Só que eu estava tentando descobrir um modo de ganhar dinheiro com o que queria fazer. Essas visitas eram para tentar contatos e alguém me contratar. Mas com 18 anos, minha mãe me deu ultimato e disse ‘sonho não enche barriga e você precisa trabalhar’. Eu pensei em procurar emprego, pensei em fazer uma faculdade e, no futuro, quem sabe, seguiria na moda, porque eu tinha contato com essas pessoas de moda.”
R$ 250
Outra amiga minha, sabendo do meu sonho, me deu R$ 250 e disse: ‘Vai para São Paulo realizar seu sonho’. Eu conhecia uma menina do concurso da Elite, que virou modelo e morava na rua Hadock Lobo. Perguntei se podia ficar uma semana na casa dela. Aceitou. Morava com duas amigas e disse que eu era um primo gay dela, para justificar um homem na casa. Nesse meio tempo, peguei R$ 80 da passagem, e guardei outros R$ 80 para a volta. Sobraram R$ 90 reais para comer. O supermercado perto era o Santa Luzia. Levei um susto com os preços. Comprei cebola, margarina e pão fatiado. Fui à agência Elite todos os dias, mas o Zeca não trabalhava mais lá.”
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Chá de cadeira
“Fui para lá mesmo assim, para falar com quem ficou no lugar dele. No primeiro dia, fiquei até as 16h na recepção, mas pediram para eu voltar no dia seguinte, porque a pessoa estava muito ocupada. Voltei na terça, na quarta, na quinta. Na sexta, ela desceu a escada, me viu e me perguntou: ‘Você está atrás de mim, né?’. Respondi que sim e perguntei se tinha um emprego para mim. Ela disse para voltar em abril, caso tivesse algum concurso novo, talvez surgisse algo. Estava arrasado. Minha passagem estava marcada para aquela noite.”
O telefone toca
“Estava no apartamento da minha amgia e o telefone toca. Era o Zeca, que estava convidando para ir a um restaurante mexicano. Ela disse que topava, mas se podia levar um de amigo de Itajaí junto. O Zeca veio pegar a gente num Uno preto. Expliquei que tinha ido a São Paulo para procurá-lo e pedir emprego. ‘Para que trabalhar nisso?’, ele perguntou, mas disse para eu passar na nova agência onde estava trabalhando. Mudei na hora a passagem na rodoviária do Tietê e fui para a casa cor-de-rosa da agência Marilyn, que estava abrindo uma filial no Brasil, em março. Voltei para Itajaí, tirei toda a documentação e um amigo me trouxe de carro, porque não tinha dinheiro para a viagem. O Fábio não estava. O acordo era: quem vai na frente e arruma emprego, busca o outro. Fiquei lá nove anos, até dezembro de 2006. Em janeiro de 2007, abri Way Model. E chamei o Zeca para trabalhar comigo, porque foi a pessoa que me deu oportunidade e a chance de realizar meu sonho. Ele foi meu sócio até 2016.”
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Segredo
“O segredo do sucesso é o amor, eu nunca me esqueço de agradecer. E sempre trabalho com ética. Sempre durmo com minha consciência tranquila.”