A cantora, bancária e modelo ocasional Carô Rennó tem a chamada alopecia universalis, condição genética que impede o crescimento de qualquer tipo de pelo no corpo. O “Elas no Tapete Vermelho” convidou a mineira de 38 anos a comentar o episódio que tomou conta das redes sociais desde a noite de domingo, durante a cerimônia do Oscar, quando Will Smith deu um tapa no apresentador Chris Rock.
A atitude de Smith, ganhador do Oscar de Melhor Ator, pelo seu papel no filme “King Richard. Criando Campeãs”, surpreendeu a todos da plateia e à audiência mundial. O ato aconteceu após o comediante comparar sua mulher, Jada Pinkett-Smith, à personagem vivida por Demi Moore, no filme “Até o Limite da Honra” (1997), que aparecia com os cabelos raspados. Jada está careca por conta de alopecia e surgiu no tapete vermelho da premiação com um lindo vestido verde, amplo, assinado por Jean Paul Gautier.
Jada apresenta a alopecia areata, uma doença auto-imune, diferente da alopecia universalis, com a qual a pessoa já nasce. Nos homens, a alopecia que se desenvolve no decorrer da vida chama-se a androgênica. Segundo Carô, há ainda a alopecia medicamentosa, desencadeada pelo uso de alguns remédios.
Portadora desde o nascimento e criada pelo seus pais sem preconceito, a cantora lembra que há muito preconceito em relação a uma mulher careca. Segundo ela, há uma violência invisível e que está sendo vivenciada por Jada. Confira o depoimento de Carô, mãe de Maria Flor, de 6 anos, exclusivo ao “Elas no Tapete Vermelho”.
“É interessante observar que, em um primeiro momento, o que fica evidente é a violência do tapa na cara proferido por Smith contra Chris. E muito tem se falado sobre isso nas redes.
Entendo que a violência física não é o melhor caminho para resolver nossos problemas. Isso vale pra tudo na vida, desde a criação das crianças até nossos relacionamentos na vida adulta.
Mas é importante que a gente compreenda a violência invisível que se dá por meio dos preconceitos, estereótipos, piadas, bullying etc. que foi vivenciado pela Jada. E, até então, ninguém havia se chocado com ela. Essa violência é vivenciada pela maioria das mulheres e crianças com alopecia. Isso porque ao contrário do significado da ausência de cabelos em um homem (que é visto como experiente, sábio, viril), a imagem da mulher careca é associada à doença e à loucura.
Os significados do cabelo para as mulheres podem ser muitos a depender do padrão de beleza vigente: estilo, beleza, feminilidade, sedução, poder, mistério…. e vem sendo assim há séculos.
Na nossa sociedade, as revistas femininas e a moda de maneira geral vem reforçando esses padrões. A publicidade também cumpre o seu papel. Como exemplo, cito as campanhas publicitárias dos hospitais oncológicos que durante décadas vêm fazendo uso da imagem de crianças e mulheres carecas para alcançar seus objetivos que pode ser angariar recursos para hospitais, conscientizar sobre o câncer, entre outros.
Por que o uso da imagem de mulheres e crianças? Acredito que essa escolha se dê pelo impacto gerado nas pessoas. Esteticamente nossa sociedade não concebe uma mulher ou uma criança bela sendo carecas, e socialmente o cabelo possui um valor muito maior quando vinculado às mulheres e crianças do que aos homens.
Vale ressaltar que esse uso enviesado da imagem de mulheres e crianças em campanhas associadas ao câncer contribui negativamente à qualidade de vida e bem-estar de mulheres e crianças que apresentam as características da alopecia. Como consequência, a maioria das pessoas que abordam essas mulheres nas ruas, nas festas, nos encontros sociais, acreditam que elas estão doentes se tratando de um câncer.
Em rápida pesquisa no Google, descobri que apenas uma parte das pessoas que passam pela quimio ou radioterapia perdem os cabelos. Além disso, hoje há uma touca que pode ser utilizada durante a aplicação da medicação a fim de evitar a queda dos cabelos.
Ou seja, milhões de pessoas no mundo todo que tem alopecia, principalmente as mulheres e as crianças, são vistas como doentes, quando, na verdade, essa é a característica física e estética delas. Quem é que gosta de ter suas características associadas a uma doença?
Acredito que tudo isso que lhe falei contribua fortemente para que mulheres sofram ainda mais quando se descobrem com alopecia. Somos seres relacionais. É injusto esperarmos que essas mulheres superem sozinhas sua condição, quando a todo instante são abordadas e apontadas pelos motivos errados.”