A pandemia veio para mudar alguns conceitos e apontar caminhos a serem seguidos ao mundo fashion. Desde março de 2020, o Elas no Tapete Vermelho realizou lives com especialistas em moda, pesquisadores, consultores, estilistas e famosos ligadas à área. Uma nova forma de encarar o modo de se vestir, uma relação diferente com as peças que já temos, um consumo mais consciente, conforto e até mesmo a relação das marcas com o consumidor são mudanças que vieram para ficar.
Relembre o que pensam o consultor Arlindo Grund, o estilista Arnaldo Ventura, as apresentadora Ana Hickmann, Fernanda Keulla e Isabella Fiorentino, o professor e historiador João Braga, e o estilista e consultor de tendências Walter Rodrigues.
Papel das marcas
“Cada marca vai precisar determinar seu valor, seu ponto de intersecção com o consumidor. Muitas só vão levantar uma bandeira e a partir daí, visar seu lucro. Precisamos ver se a empresa realmente luta por uma causa ou se está ali só para mostrar que tem uma bandeira. E não precisa ser só em relação à moda. Pode ser pelos animais silvestres, pelo reflorestamento, pelos cachorros de rua. Há muitas causas para abraçar, isso não significa tirar o lucro de seu bolso, se isso o incomoda como empresário, mas se doar como pessoa, uma hora por dia, por semana, por mês. O consumidor daí vai ver se o valor da marca é realmente verdadeiro. Se for, talvez continue consumindo. Se não for verdadeiro, a pessoa até pode comprar, mas vai saber que está consumindo um produto que não está comunicando a verdade.”
Arlindo Grund
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Roupas como escudo
“Há também um crescimento da moda mais confortável, talvez porque estramos ficando muito tempo em casa. Percebe-se que as pessoas estão se desprendendo de alguns paradigmas e preconceitos. Por exemplo, vejo as pessoas usando conjunto de moletom, com calça e blusa igual, e casacão por cima. Isso já é uma mudança no comportamento, porque estão criando camadas para se proteger. Na Europa, no final do inverno, foram vistos looks que iam além do efeito cebola, que é só fazer uma sobreposição em cima de uma peça sobre outra e a silhueta fica harmonizada. Mas dessa vez, houve muitos volumes e texturas. Jaqueta de lã, com jaqueta matelassada, sobreposta com casaco três oitavos, criando escudos para quando você chegar em casa e a roupa que está próxima de seu corpo esteja teoricamente limpa.”
Arlindo Grund
Ninguém sairá bonzinho
“A pandemia deixa aprendizados gigantescos. Não gosto da expressão “novo normal”, até porque está tudo normal, não acho nada de diferente. Também não acho que ninguém vai sair da pandemia bonzinho. Vamos sair todos iluminados? Não. Vamos continuar humanos do mesmo jeito que sempre fomos, só que alguns vão estar melhores. Eu acho que o aprendizado que vamos ter é prestar atenção no outro. Esse é o ponto fundamental da nossa vivência nesse momento. Tem sido um aprendizado constante: o uso da máscara, a percepção do cuidado com o outro próximo e com quem a gente não conhece. Ao mesmo tempo, entendo que ficar preso dentro de uma situação de pandemia vai criar fluxos muito interessantes de percepções, que é o que estamos usando no “Antídoto”. Vamos usar um lente macro. Tudo aquilo que passava despercebido da gente vai ter um aspecto muito mais interessante, mais novo. Por exemplo, quem nunca lavou roupa, começou a lavar. Dessa forma, vai cuidar melhor daquela peça.”
Walter Rodrigues
Avanços têxteis
Avanços têxteis sempre existiram, como os tecidos feitos com ouro no Império Bizantino, ou a invenção das rendas e veludos, em Veneza, durante a Renascença. O próprio náilon (no original, nylon), que é de 1935, mas só entrou em circulação em 1938, quando foi patenteado pela DuPont, que hoje se chama Invista. Situações constrangedoras e delicadas, como essas como estamos vivendo, de mudanças de paradigmas, nos obrigam a soluções mais rápidas, que favorecem esses desenvolvimentos, inclusive na área de medicina. Vai se evoluir muito, apesar de, lamentavelmente, muitas pessoas estarem morrendo ao redor do mundo todo.” Professor João Braga
Consumo consciente
“Depois que isso tudo passar, com certeza a forma de as pessoas consumirem vai se transformar. Tudo o que está acontecendo está fazendo a gente ver o que realmente é necessário comprar. As pessoas vão olhar para o produto de outra forma. Será um olhar para o consumo mais humano, querendo saber de que forma o produto pode impactar de forma positiva na vida de outra pessoa, se vai durar mais ou não. O fast fashion vai continuar existindo, mas haverá mudanças. O atendimento ao cliente também deverá ser mais pessoal, mais carinhoso. Afinal, estamos todos muito carentes agora. O vendedor tem de olhar o cliente e já saber o que ele precisa. Vamos ter de usar a psicologia de compra”.
Ana Hickmann.
Sem ostentação
“A moda nunca vai morrer. Moda é atitude. E depois que tudo isso passar, é a atitude de cada pessoa que vai ser moda. Podemos brincar com as peças que temos no guarda-roupa, criando looks, até para pensar em sustentabilidade, preocupação com o meio ambiente, reaproveitamento e doação. Não vai ter mais espaço também para ostentação. Já dá para ver esse movimento com as blogueiras. Acho que aquele momento de mostrar para dar a ideia de que é rica acabou.”
Fernanda Keulla.
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Moda pós-pandemia
“O conforto tem que existir, porque ninguém gosta de uma roupa apertada, pegando aqui e ali. Mas acredito que as pessoas não veem a hora de se arrumar de novo, de ficarem bonitas, até mais bonitas que antes. Isso porque elas não estavam indo ao cabeleireiro, não estavam se produzindo. Só dentro de casa, com moletom e camiseta. E se arrumavam apenas na parte de cima, para lives ou videoconferência. Todos querem ficar elegantes, exuberantes e livres. O conforto vai justo por esse caminho, de se sentir livre, porque as pessoas ficaram enjauladas, engaioladas dentro de casa. A ideia é de ficar livre, leve e solta, além de linda e vaporosa, nada apertando, grudado no corpo (como na foto acima).”
Arnaldo Ventura.
Valor à qualidade
“Hoje, as pessoas estão dando mais valor à qualidade, não querem tecidos tão sintéticos, derivados de petróleo. O trabalho manual está muito valorizado também, na decoração, na vestimenta. A gente está mesmo olhando para dentro de casa e vendo o que é essencial. Quem fez essa roupa? A pessoa que fez está ganhando bem, está protegida, em termos de leis trabalhistas? A gente está começando a ter uma visão mais dinâmica de tudo. Antigamente, comprava-se uma roupa e tacava a tesoura na etiqueta, nem precisava ler. Hoje, as pessoas querem saber da onde vem o tecido, onde foi fabricado. Nas próprias lojas, os vendedores estão sendo treinados para dar muito mais informação daquela peça, porque os clientes querem saber.”
Isabella Fiorentino.
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Casualização da moda
“O que veio para ficar é a casualização da moda. Ninguém quer comprar uma peça colada, que fique justa, que não te dá movimento. Não dá sentar numa reunião de videoconferência e a calça ficar apertando. Isso vem com tudo e vai durar muito tempo. Não quer dizer que a alta-costura, como a gente viu nos recentes desfiles digitais, vai deixar de existir depois da pandemia. Essa moda desejo sempre vai existir, mas quem vai na internet para comprar algo não quer vestido de festa, nem salto alto. Moletom todo mundo está cansado de usar. Então vai querer uma alfaiataria mais descomplicada, uma camisa que não precisa ir por dentro, algo mais confortável.”
Isabella Fiorentino.