Os estilistas japoneses subverteram a ordem fashion nos anos 1980 ao levar construções amplas, roupas pretas descontruídas e uma moda nada tradicional à Paris Fashion Week. Mas antes mesmo de Rey Kawakubo, com sua Comme des Garçons, Yohji Yamamoto e Issey Miyake imporem o japonismo que deixou o resto do mundo de boca aberta, Kenzo Takada já havia feito Paris e o mundo se curvarem a seus pés.
Com a capacidade oriental de trazer suas raízes e cultura para a moda, criou casacos com cara de quimono, batas largas, calças amplas, cavas enormes, ombros diferentes, estampas brilhantes e cores intensas, chamando a atenção do mundo fashion logo após abrir sua primeira loja em Paris, em 1970,na Galeria Vivienne, chamada “Jungle Jap”. Tais inovações vistas nesta “selva japonesa” foram destaques da “Elle”, da “Vogue” americana e de outras revistas de moda que passaram a dedicar várias páginas ao estilista nascido em 1939, em Himeji (Japão) e morto neste domingo (4), em Neuilly-sur-Seine, vítima de Covid-19.
“O Kenzo foi o primeiro japonês a estabelecer Paris como ponto de partida para sua carreira. Ele ganhou um concurso em Tóquio e o prêmio era uma viagem a Paris. Foi parando em vários portos: Filipinas, Índia, África e descobrindo o mundo. Quando a gente imagina as culturas do mundo servindo de inspiração para uma marca, ele foi o primeiro que fez isso, a estabelecer esse olhar a essas culturas. O legado dele é muito rico”, afirmou o estilista e consultor de moda Walter Rodrigues ao “Elas no Tapete Vermelho”. “Eu sempre o admirei, principalmente pelo uso da cor. O mundo perde um esteta e um homem de paz”, completou Rodrigues.
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Kenzo rompeu várias barreiras em sua vida, desde seu ingresso no Bunka College de Tokio, na primeira turma que aceitou alunos do sexo masculino, em 1958, até vender desenhos inspirados em Paris para sobreviver em meados dos anos 1960. Naquela década, trabalhou, entre outras, na Relations Textiles, primeira empresa de consultoria de marketing, promoção e imagem de produtos. “Seu grande talento, apoiado em um grande frescor e gentileza infinita, assegura-lhe a admiração de todos. Aos testemunhos de simpatia, responde com a simplicidade e elegância asiáticas”, escreveu Didier Grumbach, que presidiu de 1998 a 2014 a federação Francesa de Alta-Costura e de Prêt-à-Porter francesa, no livro “Histórias da Moda”.
Alegria, cor, senso de humor, amor pela vida e muita criatividade, sem nunca perder suas raízes, foram algumas das lições deixadas pelo criador japonês, um dos mais copiados da sua época. Seu desfiles eram alegres, cheios de vida, música e dança. “É com imensa tristeza que KENZO soube do falecimento de nosso fundador, Kenzo Takada. Por meio século, o Sr. Takada foi uma personalidade emblemática na indústria da moda – sempre infundindo criatividade e cor ao mundo. Hoje, seu otimismo, gosto pela vida e generosidade continuam sendo os pilares de nossa Maison. Ele fará muita falta e sempre será lembrado”, escreveu grife criada por ele no Instagram. “É com grande tristeza que soube do falecimento do Sr. Kenzo Takada. Sua incrível energia, bondade, talento e sorriso eram contagiantes. Sua alma gêmea viverá para sempre. Descanse em paz Mestre. ”, disse o estilista português Felipe Oliveira Baptista, à frente da maison atualmente.
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Decoração
A grife pertence ao grupo LVMH desde 1993. Dez anos antes, em 1983, lançou sua linha masculina e também vários perfumes. Em 1999, aposentou-se da criação de coleções. E, em 2005, lançou a “Gokan Kobo” (“oficina dos cinco sentidos”), uma marca de talheres, objetos de casa e mobiliário, dedicando-se à decoração. Aliás, aposentado Kenzo nunca foi. Em janeiro desde ano lançou a linha de decoração de luxo K 三 (leia-se K3), que combina as estéticas japonesa e ocidental, interpretando-as à sua maneira, unindo o clássico à simplicidade.
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Papoula
Em 2000, foi lançado o Flower by Kenzo, o emblemático perfume que traz estampado no frasco longo e curvado uma papoula vermelha. Ele não estava mais na maison quando o perfume foi lançado, mas a ideia de fazer um flor delicada como a papoula nascer no asfalto da cidade resume a vida e obra desse estilista, cuja delicadeza oriental coloriu e floresceu numa Paris até então tão ocidental e “pronta para ser vestida”. Lembrando que a papoula não tem cheiro, um desafio e tanto para se criar um perfume. Em setembro, o perfume completou 20 anos de sucesso.
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Desfile
Paradoxalmente, o último desfile da marca, que aconteceu dia 30 de setembro, em Paris, com convidados sentados no roseiral do Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris, no 5º arrondissement, trouxe uma coleção em que proteção foi o mote central, com modelos usando roupas inspiradas em apicultores. “Depois dos altos e baixos e dos medos durante o confinamento, acredito que todos estamos pensando em proteção. Mas também estamos muito otimistas para sair desse momento”, disse Felipe Oliveira Baptista no backstage. Sucumbir à Covid 19 deixa na história desse japonês de 81 anos, criativo, ativo e cheio de vida, uma lacuna triste e sem precedentes, provando que ainda não é momento de otimismo e que, sim, proteção continua sendo fundamental. Aurevoir, Monsieur Kenzo Takada