A empresária Dani Rudz é biomédica, trabalhou 20 anos na área, em laboratórios e em clínicas de beleza, mas há cinco anos, resolveu mudar tudo e começou a empreender no mercado plus size. Isso porque depois de perceber que, por ser gorda e negra, sofria discriminação e não recebia o retorno profissional que merecia. Hoje, é uma das maiores especialistas no segmento para mulheres gordas, dando consultoria a marcas que querem se especializar ou investir na área, e também a modelos a influenciadoras da área. Elas mesma é uma influenciadora de sucesso.
Dani Rudz participou de live no perfil do “Elas no Tapete Vermelho”, em que falou por que resolveu mudar totalmente de vida, sobre gordofobia, racismo, moda plus size, deu dicas e muito mais. Ela lembra que chorou quando teve de encarar sua ida ao mar, de maiô, pela primeira vez, logo depois de separar de seu ex-marido. “Achava que todo mundo ia olhar para meu corpo”. Afirmou que é necessário cada um se amar do jeito que é e assumir suas diferenças. “As pessoas criam seus filhos aprendendo a se odiar”, disse.
Segundo ela, 54% das consumidoras brasileiras estão acima do peso, apesar disso, apenas 20% das empresas de moda produzem plus size. Deu ponto final à sua trajetória corporativa quando, trabalhando numa clínica de beleza, a dona pediu para não ficar muito em evidência num evento, por causa de seu peso. Confira trechos da live abaixo e, no final, clica no link para ver a entrevista completa.
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Mudança de rumo
“Sou formada em biomedicina, com especialidade em infectologia, fiz mestrado, doutorado, MBA em gestão empresarial e trabalhei mais de 20 anoa na área, em grandes corporações. Mas senti muito achatamento por ser mulher, negra e gorda. Durante muito tempo, acreditava que era porque não tinha chegado lá. Pensava que tinha que fazer mais um mestrado, mais um doutorado, terminar o inglês, francês, um curso lá fora. Mas as instituições e corporações ficam mudando a linha de chegada a todo momento e você acha que o problema é com você. Percebi que já tinha chegado a um posto grande, mas não conseguia me firmar num cargo de liderança, não era reconhecida como tal, nem ganhava salário compatível. Resolvi sair do corporativo e troquei para uma empresa menor, mas entendi que o jogo era esse.”
Pressão ainda maior
Eu trabalhava em clinicas de estéticas e aí a pressão era maior ainda. Cheguei a escutar da dona da clínica, após organizar um evento de lançamento de livro de uma apresentadora na unidade, o seguinte: ‘Que legal que você organizou esse evento, ficou ótimo, mas procura não ficar muito em evidência, porque a gente trabalha com estética, e peso não pega bem nesse evento. Ouvindo isso, resolvi tirar o ano sabático. Não aguentei o ano inteiro. No segundo mês do sabático, eu já estava desesperada. Resolvi blogar para não pirar. Lancei um site, onde contava coisas minhas, que adoro fazer, como me maquiar. Não tinha pretensão profissional, era para os meus amigos e meus contatos. Na primeira noite, tivemos uma virada de 1,5 mil seguidores, vários acessos no site. Não tinha pretensão de aparecer, mas um dia, fiz umas fotos numa reunião para dar dicas de maquiagem e as usei no site e no Facebook. Foram mais de 3 mil perguntas. Percebi que esse era o caminho.”
Túnica e pantalona
“No trabalho corporativo, eu tinha um protocolo para me vestir, com terno, preto, nude, tipo um uniforme e já estava acostumada. E, em casa, com meus amigos, era sempre o mesmo modelo de roupa, uma túnica e uma pantalona de liganete. Sempre dizia que estava usando isso porque era gorda, mas quando emagrecesse, voltaria a comprar roupa. Passei por muitas dietas, até um médico me dizer que existe o fator genético da obesidade em 70% dos casos. Ou seja, o corpo foi feito para ser gordo, quando emagrece, ele reage com todas as forças para voltar a ser gordo. Isso é tratado pelos médicos e pelo Ministério da Saúde no Brasil de forma muito leviana. Parece que a pessoa é a culpada por essa gordura, mas é inerente a ela, como qualquer problema ou característica genética.”
Na praia
“Quando saí do emprego, estava fragilizada, tinha acabado de me separar. Um dia, estava na praia e meu filho pediu para entrar no mar com ele. Era sempre meu ex-marido que fazia isso. Estava de maiô, mas de shorts e camiseta por cima. Ia de shorts mesmo, mas sempre achei muito depressivo ver pessoas de shorts e camiseta dentro do mar. No momento em que eu fiquei de pé, tinha aquele segundo para decidir como encarar isso. Fiquei só de maiô e fui chorando. Quando tirei a roupa de cima, esperava ouvir gritos ou alguém tirar o sarro. Quando fui caminhando até o mar, tive a sensação que todo mundo estava olhando para minha parte traseira, mas não ouvi nada. E nada aconteceu. Resolvi não mais me martirizar. Fiz terapia e entendi melhor sobre gordofobia e todo esse processo. Foi minha libertação.”
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A mudança
” Durante o período sabático, pedi um estudo sobre o mercado do plus size para um amigo da área financeira. Ele disse que era um mercado promissor e quem começasse na época, em cinco anos estaria no auge. Isso foi em 2015. Então, decidi blogar oficialmente. Fui estudar marketing, mídias digitais, moda, moda inclusiva. Evitava falar de negócios na rede, porque minha passagem no corporativo foi traumática. Acabei atuando como consultora de marcas plus size, nos bastidores. Esse lado começou a crescer, assim como o de influenciadora. Há um ano e meio, abri uma empresa de aceleração do mercado plus size, tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas, com minha irmã. Hoje, profissionalizamos empresas, pequenas e grandes, validamos peças, ajudamos a introduzir a grade o plus size, e também trabalhamos com modelos e influenciadoras dentro deste mercado. Um nicho ainda pequeno, que precisa de muita especialização.”
Aceitação
“A gente tem que olhar com mais carinho para a gente mesmo. Crescemos com a mão de ferro em cima da gente. Quando a gente chega aos 10 anos, começa a escutar ‘você já é mocinha, não senta assim’, ‘tem que parar de comer’, ‘mocinha não grita desse jeito’, ‘mocinha não corre’, ‘não joga futebol’. Hoje estamos na rota de mudança, mas isso ainda acontece. A gente cresce aprendendo que nosso corpo é errado: seu peito está enorme, como se alguém pudesse controlar o tamanho dele. Essa pressão estética é muito forte. Fomos criadas assim, e muita gente ainda cria seus filhos aprendendo a se odiar. É preciso aprender a se olhar com mais carinho. E olhar em volta.”
Beleza inatingível
“Projetamos as mulheres que a gente vemos no cinema, na TV, nas revistas. E essa não é a realidade. Se olharmos à nossa volta, as pessoas são comuns. Temos que nos espelhar em nossos pares e não numa beleza inatingível. Assim, você entra melhor na realidade e aprende a se olhar com menos ódio. Eu odiava algumas partes do meu corpo, o tamanho dos meus seios, por exemplo, que hoje eu amo. Toda oportunidade que eu tenho de contar para mães que elas não podem fazer isso com suas filhas, eu faço. Eu não amo meu corpo todo dia, mas isso não me tira o sonho. Não me priva de ir à praia, de usar um biquíni maravilhoso, não me paralisa. A gente pode não gostar de alguma coisa, mas não pode se paralisar, porque o corpo da gente não é o corpo do sonho.”
Na passarela
“Não acredito que as marcas estejam preparadas ainda para mostrar mulheres plus size na passarela. Não estamos no ponto que estávamos há cinco anos, mas não andamos na velocidade necessária. Se a moda brasileira tivesse um olhar de inclusão para a realidade brasileira, criariam para a mulher brasileira, com curvas, para mulheres diversas. Ainda nos espelhamos muito na moda europeia. A grande maioria não percebeu importância de se olhar para uma moda mais real.”
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Fat money
Dani Rutz falou também sobre recente comentário do estilista Reinaldo Lourenço, de que até faria roupas com número maiores, mas não assinaria. “Chamamos essa questão de ‘fat money’, Ou seja, eu quero o dinheiro da gorda, mas não quero fazer de fato para gorda. E a gente vê várias fast fashion, lojas de departamento, se aventurando nesse processo, mas fazendo isso de maneira errada. Não chamam um especialista, não chamam essa mulher, não trazem os influenciadores corretos, não fazem a campanha certa, não fotografam com mulheres gordas, não comunicam a adversidade como ela deve ser comunicada, inclusive na construção da peça de roupa para essa mulher.”
Até a numeração 60
“Muita gente entende que fazer roupa plus size vai até o 48 e isso não é verdade. Fazer roupa plus size é uma grade no mínimo até os 54, o ideal seria até o 60. Dos 20% de empresas que fazem roupas maiores, muitas produzem até o 48 ou 50. O erro dessas marcas é acreditar que a ampliação da modelagem é só acrescentar centimetragem. Três centímetros a cada ampliação não vão fazer diferença na moda plus size, porque parte de uma roupa para um saco. A mulher plus size não quer ser escolhida pela roupa, mas quer escolher. As marcas fazem a coleção para a mulher plus size como se fosse atípica. Pensam assim: ‘a mulher plus size não usa alça, não usa listra, não usa branco, não usa pantalona’. A mulher plus size é uma mulher comum como qualquer outra. E existem as clássicas, as românticas, ousada, teenager, as que usam alças, as que não usam alças, que usam saias e as que não usam saias. Somos mulheres comuns e o mercado não olha para nós como mulheres comuns.”
Dicas fashion
“Antes existiam algumas regras: isso pode e isso não pode de jeito nenhum. Hoje já não e assim. Eu respeito as proporções do meu corpo. Tenho seio volumoso, preciso deixar meu colo mais à mostra para me alongar, Quando monto um look, monto para me sentir harmônica. Sou baixa, meu corpinho (dorso) é achatado, pequeno. Sou mais curta. Eu preciso e gosto de me sentir mais alta e mais longilínea, com a cintura marcada. Minha cintura não e no local onde todo munto marca a cintura, é mais alta. Então eu marco mais para cima.”
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Ponto forte
“A mulher gorda tem que entender seu ponto forte, para valorizar, com truques de estilo. E não há mal nenhum se ela quiser disfarçar alguma coisa ou se quiser deixar à mostra. É sem regras. Antes da minha libertação, eu passei por algumas etapas. A última foi deixar braços à mostra e usar alcinha. Eu tinha muito preconceito com meu braço. Aos poucos fui olhando e trabalhando. Sempre digo às mulheres: conheça seu corpo, conheça o que você tem de melhor. Mostrar seu estilo, que não é um só. A gente sabe que navega entre vários estilos.”
Gordofobia e racismo
“Preconceito é preconceito em qualquer lugar, seja ele com relação á cor da pele, ao corpo, com relação à escolhas de cada um. Acredito que o ser humano ainda não está maduro para encarar o diferente. Faz parte de nossa evolução. Se há algo de bom que a gente pode ter aprendido na quarentena, mesmo neste momento delicado e nunca visto antes, foram reflexões sobre respeito ao outro. Não estamos todos na mesma linha de amadurecimento, com relação ao respeito às diferenças do outro, mas há uma onda de pessoas caminhando neste sentido. As pessoas que já amadureceram nesta questão devem usar toda a oportunidade que tiverem para ensinar. Antigamente, quando eu sofria gordofobia, ou algum tipo de preconceito racial, ficava acuada, e me perguntava, será que é isso mesmo que ouvi. Até ficava paralisada. Hoje, consigo entender mais rapidamente e encarar que aquilo é uma oportunidade para ensinar aquela pessoa, que talvez aquilo que ela está replicando é estrutural e nem saiba.”
Preconceito feminino
“Eu sentia preconceito no mundo corporativo de ambos os sexos, mas a maior parte era da mulher. O achatamento, a pressão estética e a gordofobia vêm mais das mulheres. É algo bem estrutural da nossa sociedade, tem a ver com o machismo. E a mulher é também a mais oprimida no mercado de trabalho. O homem gordo é um homem viril, que ganha bem, que sustenta sua família, que vai em bons restaurantes. Agora uma mulher gorda é relaxada, cheia de TPM, que não vê o tamanho da bunda.”
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Saúde
“O povo acha que gorda passa o dia todo na frente da TV comendo salgadinho. Não é verdade. A gente tem que controlar os índices de saúde. Minha rotina é de exercícios e boa alimentação. Hoje estou um pouco parada na malhação, por conta da quarentena. Tenho feito caminhadas mais discretas em casa. Mas minha rotina normal sem Covid é malhar todos os dias. Não gosto de malhar muitas horas, mas todo dia, pelo menos 40 minutos. Me alimento superbem. Porcariada, doces, besteirada, a gente deixa para o fim de semana. De segunda a sexta, prefiro mais carne branca ou vegetais, grão-de-bico. Eu não me peso, mas eu me meço. Não como uma pressão, mas para eu entender se meus índices de saúde estão normais, se meus remédios da tireóide estão em funcionamento. Faço check up a cada seis meses. Os meu índices de colesterol e glicêmicos são bons. As pessoas falam que a gente não se cuida. E não é verdade. Quando você é magro, ninguém cobra. É um preconceito.”
Encarando as diferenças
“É batido o discurso, mas é necessário encarar o diferente. Devemos parar com essa mania de querer que todo mundo seja igual, padronizado, que esteja na mesma caixa, vestindo igual, usando a mesma cor. Nós somos diversos, nascemos diversos. Hoje muitos dos valores das empresas são a ética, a verdade e a diversidade, mas isso precisa ser um valor dentro das empresas. E nós, como publico consumidor. temos o crivo da escolha, que é o dinheiro. Ver como a empresa traz esse negro, como inclui esse gordo, como traz essa mulher para a sociedade. Há muitas empresas que falam o que não praticam.”
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